do Viomundo por Conceição Lemes
Nessa terça-feira, 9 de agosto, o Ministério Público do Estado de São
Paulo (MPE) deu entrada à ação civil pública, com pedido de liminar,
contra a lei estadual que permite aos hospitais públicos geridos por
Organizações Sociais de Saúde (OSs) destinar até 25% dos leitos e outros
serviços para planos de saúde e particulares.
A ação responde à representação de diversas entidades da sociedade
civil, entre as quais o Grupo Pela Vidda-SP, que a liderou, o Conselho
de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems/SP) e o
Conselho Estadual de Saúde, cujo presidente é o próprio Secretário
estadual da Saúde.
Assinam-na os promotores Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna
Faggioni, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos e Saúde Pública
do MPE. Eles pedem à Justiça que declare a inconstitucionalidade e
ilegalidade da lei paulista, além de impedir que o governo estadual
celebre contratos de gestão, alterações e aditamentos entre OSs e planos
de saúde.
A lei em questão é a complementar nº 1.131/2010, mais conhecida como
Lei da Dupla Porta, do ex-governador Alberto Goldman (PSDB), aprovada
pela Assembleia Legislativa e regulamentada pelo governador Geraldo
Alckmin (PSDB), mediante o decreto nº 57.108/2011.
Sábado passado, 6 de agosto, a Secretaria Estadual de Saúde publicou no Diário Oficial do Estado
a resolução nº 148, que autoriza os dois primeiros hospitais públicos a
vender 25% da sua capacidade para usuários privados. São o Instituto
do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e o Hospital de Transplantes do
Estado de São Paulo “Dr. Euryclides de Jesus Zerbini”, ambos de alta
complexidade.
“Permitir que os hospitais geridos por OSs vendam até 25% dos seus
serviços para planos de saúde é a prova provada de que esse sistema é
muito mais caro do que a administração direta”, alerta o promotor Arthur
Pinto Filho. “É a forma mais cruel que o estado de São Paulo poderia
ter arrumado para capitalizar a saúde, já que seus hospitais públicos de
alta complexidade são claramente insuficientes para atender à demanda
dos usuários do SUS [Sistema Único de Saúde].”
Os hospitais de alta complexidade são o maior gargalo da rede pública
de saúde. Em vez de diminuí-lo, para melhorar o acesso à assistência, o
governo paulista vai aumentá-lo, tirando-lhes até 25% da capacidade
para entregar de bandeja aos planos de saúde e particulares.
Em português claro: o governo paulista escolheu sustentar um modelo de gestão que está fazendo água – tem um rombo de R$ 147 milhões — à custa de uma perversão.
Os dois vão lucrar. O governo tucano manterá a forma de gestão pelas
OSs, um sistema financeiramente falido. E os planos de saúde vão receber
25% dos leitos públicos sem investir um tostão nos hospitais públicos.
É mel na sopa para os planos e seguros de saúde. Em São Paulo, o
setor suplementar vive um “overbooking hospitalar”: como os planos de
saúde venderam mais do que a capacidade da rede conveniada – só em 2010,
houve crescimento de 10% –, os pronto-socorros estão lotados e há fila
para internação de clientes de planos, pois faltam vagas.
Daí por que os planos só têm a ganhar com a lei paulista. Além de
desonerar os seus custos, ao usar a capacidade instalada dos hospitais
públicos, eles “turbinam” sua rede credenciada de alta complexidade,
hoje medíocre e insuficiente.
“Os planos lucram agora e certamente serão generosos em ano
eleitoral”, conjectura Mario Scheffer, especialista em saúde pública e
presidente do Grupo Pela Vidda-SP, com base em estudo feito por ele e a
médica sanitarista e doutora em saúde pública Lígia Bahia, professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Em 2010, sem contar
possível caixa 2, os planos de saúde deram R$ 12 milhões declarados para
campanhas eleitorais, inclusive do governador Geraldo Alckmin.”
Desde já, Scheffer prevê:
1. Ao ostentar em suas redes credenciadas os hospitais do SUS, os
planos de saúde exigirão como contrapartida o atendimento diferenciado
de seus clientes.
2. Os usuários de planos, já com o diagnóstico em mãos, serão
atendidos rapidamente, enquanto os usuários do SUS, até serem
encaminhados pela rede básica, aguardarão meses para o agendamento. “É
assim que funciona a dupla porta do Incor e do complexo HC-FMUSP, modelo
que agora será estendido ao Icesp e ao Hospital dos Transplantes”,
ressalta Scheffer.
“Os que tentam recobrir a discussão com verniz caritativo mais
parecem corretores de imóveis negociando nacos de serviços públicos, na
lógica de que os pacientes se dividiriam entre SUS-não-pagantes e
planos-pagantes, os salvadores da pátria”, detona a professora Lígia
Bahia. “Mas as contas não fecham, até porque os valores da remuneração
dos planos são muitas vezes mais baixos que os praticados pelas
instituições oficiais.”
Como boa parte dos hospitais geridos por contratos de gestão via OSs
está quebrada, precisando “para ontem” de dinheiro novo, as organizações
sociais de saúde não contempladas nesse primeiro momento vão pressionar
a Secretaria Estadual para também vender até 25% dos seus serviços.
Resultado: para reduzir o rombo nas OSs se ampliará a exclusão dos
mais pobres, indo contra a Constituição Federal, pois fere o princípio
da isonomia, e ainda destruirá o próprio SUS.
Por isso, ministro Alexandre Padilha, pergunto ao senhor o que as
mais de 40 entidades que subscreveram a representação ao Ministério
Público gostariam de saber:
1) Até quando o Ministério da Saúde vai continuar dando dinheiro para São Paulo entregar aos planos privados de saúde?
2) Não seria o caso, ministro, de já iniciar o processo de desabilitação de São Paulo da gestão plena do SUS?
Financiar a saúde privada em detrimento do SUS não tem cabimento, é demais.
Alckmin vende até 25% dos leitos hospitalares do SUS para reduzir rombo de R$ 147 milhões nas OSs
Hospitais públicos gerenciados por OSs: o rombo acumulado é de R$ 147,18 milhões
MP acata representação contra lei que vende 25% dos serviços do SUS a planos de saúde
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