O entregador José
Barbosa exibe conta de luz de 1993 e exige reconhecimento da moradia Danilo
Ramos/RBA
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“Defensoria Pública do Estado vai ingressar
hoje (10) com ação para suspender venda; investida completa processo de
exclusão em área nobre da zona sul de São Paulo
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin
(PSDB), colocou à venda 60 terrenos onde vivem cerca de 400 famílias na região
da avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul da capital paulista. Os
moradores afirmam que ficaram sabendo dos leilões por terceiros e que o governo
não os procurou para dar qualquer informação. As áreas pertencem ao
Departamento de Estradas de Rodagem (DER), se estendem da avenida Washington
Luís à Marginal Pinheiros e já têm data marcada para os leilões. Os primeiros
seis imóveis serão leiloados na próxima sexta-feira (13).
Segundo a assistente administrativa Elisete
Lopes dos Santos, de 50 anos, que está reunindo os documentos para comprovar o
tempo de residência dos moradores, o governo de São Paulo não os contatou.
“Não fomos procurados, nem pessoalmente,
nem por carta, nem telefonema. Aliás, vivo aqui há 27 anos e nunca fomos
incomodados”, afirmou.
Elisete contou que soube dos leilões por
uma outra moradora, que buscava informações sobre a remoção das favelas do
Comando e do Buraco Quente, que ficavam na esquina da avenida Washington Luís
com a Jornalista Roberto Marinho e foram removidas por causa da construção da
Linha 17 – Ouro do Metrô paulista, que vai do aeroporto de Congonhas ao bairro
do Morumbi.”
Ela explicou que comprou a casa 8, do número
675 da rua Tibiriçá, em 25 de agosto de 1987, de outra família que já
vivia há alguns anos no local. No mesmo terreno vivem mais 17 famílias,
todas em casas de alvenaria. É dela a estimativa de 400 famílias, já que
o governo estadual não informou se possui esse dado.
Os imóveis estão sendo ofertados ao leilão através do site da Secretaria Estadual do Planejamento e Desenvolvimento Regional e da página do Conselho Regional de Corretores de Imóveis
(Creci), que apresentam o valor do lance mínimo, fotos das fachadas de
algumas casas e destacam o fato de estarem localizadas em “região
valorizada”.
Algumas unidades têm lance mínimo acima de R$ 1 milhão,
como é o caso das casas da rua Sônia Ribeiro. Embora pareçam ser uma só
unidade habitacional, muitos portões vistos nas fotos dos anúncios são
entradas para dezenas de casas.
Estes imóveis são parte dos quase 700 que
tiveram sua venda permitida pela Lei 15.088, aprovada em 16 de julho
deste ano, para injetar dinheiro na Companhia Paulista de Parcerias,
empresa do governo de São Paulo que articula as Parcerias
Público-Privadas (PPP). As PPPs são projetos em que empresas privadas
constroem e operam equipamentos ou serviços públicos, recebendo
concessão destes por até 35 anos.
A operadora de call center Neide Santos Costa,
de 38 anos, se revoltou ao saber que as casas estão sendo oferecidas na
internet. “Expulsar da moradia não é justo de jeito nenhum. Tirar isso é
tirar tudo o que a gente tem: emprego, escola dos filhos, amigos. Além
disso, se tiver que pagar aluguel para continuar vivendo aqui eu não sei
como vou fazer”, afirma.
De acordo com o edital dos leilões, o governo
Alckmin reconhece que as áreas estão ocupadas e determina que a remoção
dos moradores será responsabilidade dos compradores dos terrenos - o que
isentaria a gestão de qualquer responsabilidade sobre indenizações ou
realocação.
A secretaria informou, em nota, que os “imóveis
desapropriados sem uso público serão primeiro oferecidos aos antigos
proprietários, como mandam os artigos 516 e 519 do Código Civil”.
O problema é determinar quem são "antigos
proprietários". Podem ser os donos dos terrenos antes da desapropriação
pelo DER, nos anos 70. Podem ser os que venderam as casas aos que hoje
estão lá. E podem ser os atuais moradores. No entanto, estes últimos não
possuem documentos de propriedade dos terrenos. Mas pagam água, esgoto e
energia elétrica.
Alguns, como o entregador José Gomes Barbosa,
de 60 anos, 30 deles vivendo em uma das 33 casas localizadas no número
679 da rua Sônia Ribeiro, têm documentos que comprovam muitos anos de
residência.
“Aqui está minha conta de luz do mês de agosto
de 1993. Só aqui são 20 anos. Mas esse é o tempo que a Eletropaulo
percebeu que estávamos neste local”, conta Barbosa, que criou ali, com a
esposa Maria de Fátima Santos Barbosa, de 56 anos, os três filhos. E
hoje cuidam de duas netas, de 3 e 5 anos. No local, havia ontem (9) 18
crianças.
O trabalhador autônomo Jaílton Lima de Souza, de 39 anos, sente-se discriminado pela ação do governo estadual.
“Não entendo por quê. Aqui não é área de risco,
não estamos atrapalhando ninguém. Está tirando o povo mais simples em
beneficio dos mais ricos, porque o bairro está melhorando, com Metrô e
tudo!?”, questiona, fazendo referência à Linha 17 – Ouro do Metrô, que
está em construção e percorre boa parte da avenida Roberto Marinho.
Liminar
A defensora do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo Sabrina Nasser
de Carvalho, afirmou que ingressará com pedido de liminar de suspensão
dos leilões ainda hoje (10), pois considera que o direito das famílias
foi desrespeitado.
“As famílias afirmam que sequer foram
notificados do leilão de seus próprios imóveis. Nós entendemos que esse
processo é nulo, porque fere as garantias dos moradores”, explica.
Segundo a defensora, as famílias têm direito a
Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia. “É um direito que
garante à população carente, que não tem outro imóvel, a permanência na
terra pública onde mora há mais de cinco anos”, afirma. A concessão
teria efeito semelhante ao do usucapião, que não pode ser requisitado em
áreas públicas.
Sabrina disse que buscou o procurador-geral do
estado, Elival da Silva Ramos, para tentar uma conciliação sobre o caso.
No entanto, ele teria afirmado que a única forma possível de
regularização seria os moradores comprarem os terrenos no leilão.
Elitização
Para Sabrina, a retirada dos moradores da área
completa o processo de elitização da região.“Ali foram vários processos
de exclusão. Cada avenida, cada construção, cada operação urbanística
realizada foi um ponto para remoção da população mais vulnerável, que
foi afastada para as periferias. Esse seria o último ponto, talvez os
únicos que restem naquela região mais nobre”, afirma.
As famílias terão uma reunião com a Secretaria
Estadual do Planejamento e Desenvolvimento Regional amanhã (11). Caso
não tenham sucesso na negociação e na ação da Defensoria, os moradores
prometem protestar em frente à secretaria durante o leilão da próxima
sexta-feira.
No fim da tarde de ontem (9) os 400 moradores
realizaram uma passeata na avenida Jornalista Roberto Marinho. Portando
faixas e cartazes, caminharam da avenida Washington Luís até a Santo
Amaro, onde pararam o trânsito por alguns minutos.
Segundo a Secretaria, “todos os imóveis que
serão objeto de concorrência pública têm autorização legislativa para
venda desde 2004 e não são utilizados com fins públicos. Todas as
notificações e publicações legais foram feitas. Os recursos auferidos
serão revertidos para investimentos em diversas áreas como Saúde,
Educação, Transporte e Habitação para toda a população”.
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