terça-feira, 10 de setembro de 2013

Alckmin leiloa terrenos onde vivem 400 pessoas; e sequer comunica as famílias

O entregador José Barbosa exibe conta de luz de 1993 e exige reconhecimento da moradia

O entregador José Barbosa exibe conta de luz de 1993 e exige reconhecimento da moradia Danilo Ramos/RBA

Defensoria Pública do Estado vai ingressar hoje (10) com ação para suspender venda; investida completa processo de exclusão em área nobre da zona sul de São Paulo
Rodrigo Gomes, RBA
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), colocou à venda 60 terrenos onde vivem cerca de 400 famílias na região da avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul da capital paulista. Os moradores afirmam que ficaram sabendo dos leilões por terceiros e que o governo não os procurou para dar qualquer informação. As áreas pertencem ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER), se estendem da avenida Washington Luís à Marginal Pinheiros e já têm data marcada para os leilões. Os primeiros seis imóveis serão leiloados na próxima sexta-feira (13).
Segundo a assistente administrativa Elisete Lopes dos Santos, de 50 anos, que está reunindo os documentos para comprovar o tempo de residência dos moradores, o governo de São Paulo não os contatou.
“Não fomos procurados, nem pessoalmente, nem por carta, nem telefonema. Aliás, vivo aqui há 27 anos e nunca fomos incomodados”, afirmou.
Elisete contou que soube dos leilões por uma outra moradora, que buscava informações sobre a remoção das favelas do Comando e do Buraco Quente, que ficavam na esquina da avenida Washington Luís com a Jornalista Roberto Marinho e foram removidas por causa da construção da Linha 17 – Ouro do Metrô paulista, que vai do aeroporto de Congonhas ao bairro do Morumbi.”
Ela explicou que comprou a casa 8, do número 675 da rua Tibiriçá, em 25 de agosto de 1987, de outra família que já vivia há alguns anos no local. No mesmo terreno vivem mais 17 famílias, todas em casas de alvenaria. É dela a estimativa de 400 famílias, já que o governo estadual não informou se possui esse dado.
Os imóveis estão sendo ofertados ao leilão através do site da Secretaria Estadual do Planejamento e Desenvolvimento Regional e da página do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), que apresentam o valor do lance mínimo, fotos das fachadas de algumas casas e destacam o fato de estarem localizadas em “região valorizada”.
Algumas unidades têm lance mínimo acima de R$ 1 milhão, como é o caso das casas da rua Sônia Ribeiro. Embora pareçam ser uma só unidade habitacional, muitos portões vistos nas fotos dos anúncios são entradas para dezenas de casas.
Estes imóveis são parte dos quase 700 que tiveram sua venda permitida pela Lei 15.088, aprovada em 16 de julho deste ano, para injetar dinheiro na Companhia Paulista de Parcerias, empresa do governo de São Paulo que articula as Parcerias Público-Privadas (PPP). As PPPs são projetos em que empresas privadas constroem e operam equipamentos ou serviços públicos, recebendo concessão destes por até 35 anos.
A operadora de call center Neide Santos Costa, de 38 anos, se revoltou ao saber que as casas estão sendo oferecidas na internet. “Expulsar da moradia não é justo de jeito nenhum. Tirar isso é tirar tudo o que a gente tem: emprego, escola dos filhos, amigos. Além disso, se tiver que pagar aluguel para continuar vivendo aqui eu não sei como vou fazer”, afirma.
De acordo com o edital dos leilões, o governo Alckmin reconhece que as áreas estão ocupadas e determina que a remoção dos moradores será responsabilidade dos compradores dos terrenos - o que isentaria a gestão de qualquer responsabilidade sobre indenizações ou realocação.
A secretaria informou, em nota, que os “imóveis desapropriados sem uso público serão primeiro oferecidos aos antigos proprietários, como mandam os artigos 516 e 519 do Código Civil”.
O problema é determinar quem são "antigos proprietários". Podem ser os donos dos terrenos antes da desapropriação pelo DER, nos anos 70. Podem ser os que venderam as casas aos que hoje estão lá. E podem ser os atuais moradores. No entanto, estes últimos não possuem documentos de propriedade dos terrenos. Mas pagam água, esgoto e energia elétrica.
Alguns, como o entregador José Gomes Barbosa, de 60 anos, 30 deles vivendo em uma das 33 casas localizadas no número 679 da rua Sônia Ribeiro, têm documentos que comprovam muitos anos de residência.
“Aqui está minha conta de luz do mês de agosto de 1993. Só aqui são 20 anos. Mas esse é o tempo que a Eletropaulo percebeu que estávamos neste local”, conta Barbosa, que criou ali, com a esposa Maria de Fátima Santos Barbosa, de 56 anos, os três filhos. E hoje cuidam de duas netas, de 3 e 5 anos. No local, havia ontem (9) 18 crianças.
O trabalhador autônomo Jaílton Lima de Souza, de 39 anos, sente-se discriminado pela ação do governo estadual.
“Não entendo por quê. Aqui não é área de risco, não estamos atrapalhando ninguém. Está tirando o povo mais simples em beneficio dos mais ricos, porque o bairro está melhorando, com Metrô e tudo!?”, questiona, fazendo referência à Linha 17 – Ouro do Metrô, que está em construção e percorre boa parte da avenida Roberto Marinho.

Liminar

A defensora do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo Sabrina Nasser de Carvalho, afirmou que ingressará com pedido de liminar de suspensão dos leilões ainda hoje (10), pois considera que o direito das famílias foi desrespeitado.
“As famílias afirmam que sequer foram notificados do leilão de seus próprios imóveis. Nós entendemos que esse processo é nulo, porque fere as garantias dos moradores”, explica.
Segundo a defensora, as famílias têm direito a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia. “É um direito que garante à população carente, que não tem outro imóvel, a permanência na terra pública onde mora há mais de cinco anos”, afirma. A concessão teria efeito semelhante ao do usucapião, que não pode ser requisitado em áreas públicas.
Sabrina disse que buscou o procurador-geral do estado, Elival da Silva Ramos, para tentar uma conciliação sobre o caso. No entanto, ele teria afirmado que a única forma possível de regularização seria os moradores comprarem os terrenos no leilão.

Elitização

Para Sabrina, a retirada dos moradores da área completa o processo de elitização da região.“Ali foram vários processos de exclusão. Cada avenida, cada construção, cada operação urbanística realizada foi um ponto para remoção da população mais vulnerável, que foi afastada para as periferias. Esse seria o último ponto, talvez os únicos que restem naquela região mais nobre”, afirma.
As famílias terão uma reunião com a Secretaria Estadual do Planejamento e Desenvolvimento Regional amanhã (11). Caso não tenham sucesso na negociação e na ação da Defensoria, os moradores prometem protestar em frente à secretaria durante o leilão da próxima sexta-feira.
No fim da tarde de ontem (9) os 400 moradores realizaram uma passeata na avenida Jornalista Roberto Marinho. Portando faixas e cartazes, caminharam da avenida Washington Luís até a Santo Amaro, onde pararam o trânsito por alguns minutos.
Segundo a Secretaria, “todos os imóveis que serão objeto de concorrência pública têm autorização legislativa para venda desde 2004 e não são utilizados com fins públicos. Todas as notificações e publicações legais foram feitas. Os recursos auferidos serão revertidos para investimentos em diversas áreas como Saúde, Educação, Transporte e Habitação para toda a população”.
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