Benedito Dantas Chiaradia foi demitido após confirmar a existência de um esquema de corrupção em governos tucanos de São Paulo
Ocupante de cargos estratégicos nos governos tucanos de Geraldo Alckmin e José Serra, o ex-diretor da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CTPM) Benedito Dantas Chiaradia preferiu não comentar, nesta sexta-feira, a sua exoneração do cargo. Chiaradia foi demitido após prestar depoimento, na Polícia Federal (PF), no qual confirmou o pagamento de propina das empresas multinacionais Alstom e Siemens a agentes públicos no Estado de São Paulo. A PF segue com as investigações na área metroferroviária.
Chiaradia ocupou uma diretoria da CPTM entre 1999 e 2002 e afirmou, em depoimento, que o consultor Arthur Teixeira era apontado como intermediador das empresas do cartel. Ele viabilizava, segundo os relatos que afirma ter ouvido, o pagamento de propina para o hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Robson Marinho, chefe da Casa Civil do governo Mário Covas nos anos 1990, e para servidores da CPTM e do Metrô. Até o fim do ano passado Chiaradia se manteve em cargo de direção no Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), autarquia do governo paulista. Foi exonerado no dia 20 de dezembro, um mês e pouco após o depoimento à Polícia Federal.
Chiaradia foi a terceira testemunha a citar propina do cartel no inquérito e a primeira de dentro do próprio governo a revelar os crimes contra o Erário. Hoje, a PF tem em mãos um depoimento do ex-diretor da empresa alemã Siemens Everton Rheinheimer no qual ele cita propina para diretores de estatais de trens e para políticos – três deles ocupam hoje o secretariado do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Rheinheimer foi incumbido de produzir as provas necessárias às suas declarações. Outra testemunha que citou aos policiais federais a propina – mas num contexto de que apenas suspeitava dela – o executivo da Siemens Mark Gough foi transferido para a empresa, na Alemanha.
Chiaradia trabalhou na CPTM como diretor administrativo e financeiro, quando foi contemporâneo de João Roberto Zaniboni, Oliver Hossepian e Ademir Venâncio, que ocupavam cargos de chefia na estatal. Os três foram indiciados no inquérito pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, crime financeiro e formação de quadrilha. O ex-executivo foi um dos signatários de um dos três contratos da CPTM que a Siemens denunciou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – a empresa alemã admitiu ao órgão federal as combinações entre as empresas a fim de evitar ou diminuir futuras sanções. Há mais três contratos sob suspeita, nos metrôs de São Paulo e de Brasília. Chiaradia, porém, não foi indiciado porque a Polícia Federal não encontrou problemas em suas movimentações financeiras ao quebrar seus sigilos.
No depoimento de novembro, ele declarou que “Teixeira tinha contato muito próximo e constante com Oliver, Ademir e Zaniboni” e que “acredita que essas reuniões eram para tratar de propina”. Chiaradia disse acreditar que um dos motivos para ter deixado a CPTM naquela época “foi justamente não ter convívio social” com os outros três, “o que demonstrava a clara má vontade para assuntos relativos ao pagamento de propinas”. Ele também disse crer que os valores encontrados nas contas de Zaniboni na Suíça eram “a título de propina”.
O ex-diretor da CTPM tem uma longa ficha de serviços prestados ao Estado de São Paulo. Como advogado, chefiou o departamento jurídico do Metrô entre 1975 e 1983. Entre 1983 e 1986 assessorou secretários de Segurança Pública e foi chefe de gabinete de Miguel Reale Jr. Depois de uma incursão de uma década no setor privado, voltou ao serviço público em postos no governo estadual. Entre 2005 e 2007 foi secretário-geral da Assembleia Legislativa de São Paulo. Depois voltou para o Executivo paulista, retomando cargos nas direções de estatais e autarquias. O inquérito do cartel, aberto em 2008, está no Supremo Tribunal Federal pois os secretários de Alckmin são deputados licenciados e têm foro privilegiado.
Procurado para explicar a demissão de Benedito Dantas Chiaradia, o governo paulista informou por duas vezes, via assessoria de imprensa, que se pronunciaria sobre o caso. Mas voltou atrás e afirmou que quem deveria se manifestar seria o DAEE. A autarquia afirmou, em nota, que Chiaradia “foi afastado do cargo por estar sendo investigado pela Polícia Federal”. A assessoria do conselheiro Robson Marinho, do Tribunal de Contas do Estado, foi contatada, mas ele não foi localizado para se manifestar sobre o caso. O criminalista Luiz Fernando Pacheco, que defende os ex-diretores da CPTM João Roberto Zaniboni e Ademir Venâncio, rebateu as declarações de Chiaradia.
– São meras especulações sem qualquer indício de veracidade. Zaniboni nunca recebeu propina, Zaniboni e Ademir nunca formaram cartel. Eles desafiam esse senhor (Chiaradia) a provar publicamente qualquer uma de suas acusações – afirmou.
Pacheco disse que Venâncio “nega que tenha participado de qualquer reunião com Zaniboni, (Oliver) Hossepian e esse sujeito (Chiaradia)”. Já o criminalista Eduardo Pizarro Carnelós, que defende Arthur Teixeira, reagiu taxativamente.
– Isso é de uma leviandade inaceitável. Pessoas disseram, mas que pessoas são essas? Quero saber quem são essas pessoas para saber se confirmam essa versão dele (Chiaradia). Dizer que ouviu de pessoas inominadas tem o mesmo sentido de uma denúncia apócrifa – afirmou.
Carnelós observa que Teixeira “manteve contatos periféricos com Chiaradia”.
– Ele não atuava na área técnica. Essa afirmação não faz sentido, tanto é que não diz nome de nenhuma pessoa, o que equivale a uma denúncia anônima, sem valor. Teixeira nunca pagou propinas – acrescentou.
O criminalista Marcelo Martins de Oliveira, defensor de Oliver Hossepian, foi sucinto:
– Hossepian jamais recebeu propinas e sua vida modesta é a maior prova de idoneidade.
A Secretaria de Transportes Metropolitanos disse que “colabora com todos os órgãos de fiscalização, inclusive Polícia Federal e Ministério Público” e que “tem todo o interesse em apurar e esclarecer os fatos”.
Novas provas
Vice-presidente de Assuntos Jurídicos da Siemens, Fabio Selhorst afirmou, nesta sexta-feira, que a empresa convocou o principal delator do cartel, o ex-diretor Everton Rheinheimer, à sede da empresa, na Alemanha, na véspera, para ele “produzir provas do que está falando”. A informação foi divulgada em entrevista à revista América Economia, especializada na área econômica. A viagem foi feita no ano passado. Rheinheimer afirmou, em colaborações premiadas na Polícia Federal e no Ministério Público Federal, que as empresas do setor não só praticavam cartel como corrompiam políticos paulistas pagando propina. Para Selhorst, promotores de São Paulo chegaram a negociar uma delação premiada com o ex-diretor, mas desistiram após concluírem que ele não tem como provar as acusações.
Selhorst concedeu a entrevista em 17 de dezembro. Nela, criticou o governador Geraldo Alckmin (PSDB) por inicialmente ter processado apenas a Siemens – por determinação judicial, o Estado incluiu as demais empresas denunciadas no caso, mas Alckmin sempre frisou que a Siemens era ré confessa e que as outras serão excluídas dos autos caso não se encontre nada contra elas.
Segundo o executivo, de acordo com os seus cálculos, se ficar comprovado sobrepreço de 30% do valor dos contratos, conforme estimativa sobre os seis contratos denunciados, a Siemens deveria devolver aos cofres paulistas R$ 37 milhões.
– É um valor muito diferente dos R$ 570 milhões que a mídia divulga – repara.
Em nota, o governo paulista discordou de Selhorst e afirmou que “está defendendo o interesse público”: “Nunca foi dito que a ação de indenização se limitaria à Siemens, mas que começaria por ela porque é ré confessa no âmbito do acordo de leniência”.